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Santa Catarina mais quente: da estiagem ao aumento nos casos de dengue

Atualizado: 31 de ago. de 2021

por Gisele Elis


O sul de Santa Catarina já está 1⁰C mais quente, segundo registros das medições feitas por estações meteorológicas da Epagri, desde 1924. Em 2006, o alerta para as mudanças climáticas no estado já estampava a capa da Revista Agropecuária Catarinense, trazendo dados sobre o aumento da temperatura, mudança no regime de chuvas e seus possíveis impactos socioeconômicos.


Efeitos do avanço do mar no Litoral de Santa Catarina - Foto: Marcio Sônego - Epagri SC


Dados comprovados também pelo mais recente relatório do Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas - o IPCC (sigla em inglês), divulgado em agosto. O documento afirma que o aquecimento será de 1,5 grau até 2030, antecipando em dez anos a projeção feita anteriormente. Afirma que não há mais dúvidas sobre a influência das ações humanas no aumento da temperatura no planeta, além do alerta para os pontos de “não retorno” e a necessidade de cessar o uso de combustíveis fósseis, responsáveis por 83% das emissões de gases do efeito estufa, que causam o aquecimento global. “Os outros 17% vem do desmatamento de florestas tropicais, por isso a contribuição do Brasil na emissão desses gases cresce a cada ano”, disse Paulo Artaxo, um dos maiores cientistas do Brasil, referência em mudanças climáticas e integrante do IPCC.


As previsões da Revista Agropecuária Catarinense pareciam distantes, mas quinze anos depois mostram o impacto na vida diária dos catarinenses. As consequências do aquecimento global e a variabilidade climática no estado vão desde o aumento de vetores de doenças, passando por desastres naturais a prejuízos na agricultura e pecuária.


“Esses dados mostram uma alteração na quantidade de insetos, pois eles se reproduzem mais rápido, com o aumento da temperatura e da umidade, devido ao aumento nas precipitações em curtos espaços de tempo”, salienta o Agrometeorologista da Epagri, Márcio Sônego.

O relatório “Contagem regressiva sobre a saúde e as mudanças climáticas”, publicado na revista The Lancet, em 2019, destacou que o aquecimento global promove a expansão dos mosquitos responsáveis pela transmissão da dengue, oferecendo um ambiente quente e de chuvas, propício à reprodução dos insetos.


Os altos índices de contaminação pela dengue em Santa Catarina, com mais de doze mil catarinenses contaminados em 2021, cinco óbitos e o maior número da série histórica da doença no estado, podem indicar essa relação das mudanças climáticas e o aumento na proliferação desses insetos.



Amostra do mosquito Aedes aegypti recolhidas pelo Programa de Combate à Dengue de Laguna - Foto: Prefeitura de Laguna


Joinville, Navegantes e Santa Helena enfrentam situação de epidemia, segundo boletim da Diretoria de Vigilância Epidemiológica (DIVE/SC). Há registros de foco do mosquito Aedes aegypti, (responsável pela transmissão da doença) em 217 municípios do Estado. Esse número representa um aumento de 96,9% nos focos do mosquito no período compreendido entre 01 de janeiro e 05 de junho, se comparado ao mesmo período do ano anterior.


O receio de contrair dengue novamente acendeu um alerta para Juliana Martins, moradora de Laguna, no litoral sul. A cidade também teve o maior número de bairros com focos do mosquito desde quando começaram os monitoramentos do Programa Municipal de Combate à Dengue. A doença viral transmitida pelo mosquito Aedes aegypti possui quatro sorotipos distintos. Por isso, o contágio não garante a imunização permanente para todos os tipos da doença e os sintomas podem se agravar nas infecções subsequentes.


“Eu tive a doença quando morava em Foz do Iguaçu (PR), há quinze anos atrás. Na época meu filho era recém-nascido e meus sintomas foram fortes. Tenho medo de contrair pela segunda vez e ser a forma hemorrágica, a mais grave", comenta.

De acordo com a Organização Não Governamental - a WWF Brasil, o desmatamento também contribui para a expansão dos mosquitos, já que há perda e fragmentação de seu habitat. As áreas naturais, antes refúgio desses vetores, quando descaracterizadas provocam sua expansão geográfica e migração para as cidades. O ambiente natural dos mosquitos não é a cidade, geralmente são as florestas, em que eles se autorregulam.


“O mosquito tem como ambiente natural as matas, porém com o avanço das cidades, o Aedes encontrou no ambiente urbano um habitat ideal para sua proliferação. Sem os seus predadores naturais, os mosquitos se proliferam de forma descontrolada ou desequilibrada. Com o aumento do vetor e o aumento de pessoas contaminadas pelo vírus da dengue, o controle da doença se torna muito difícil", explica o biólogo e virologista, André Castilho.

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), há 18 anos, a relação entre as mudanças climáticas e a saúde foi declarada um consenso científico pelo IPCC.


Do mosquito à praga da mandioca


Outro inseto está prejudicando as plantações de mandioca no sul do estado: a Mosca do Broto, mais conhecida como a “Praga da Mandioca”. Um estudo recente realizado pela Entomologista e Pesquisadora da Epagri, Erica Frazão de Lorenzi, conseguiu correlacionar a infestação desses vetores ao aumento da temperatura na região. “Essa praga já era presente, desde a década de 60, na região de Florianópolis e no litoral norte, por terem climas semelhantes. Na safra de 2015, começou a aparecer nas plantações do sul do estado e causar muitos danos. Começamos a monitorar, fizemos diversos experimentos em laboratório e em campo, sempre pesquisando sua relação com a temperatura”, explica a pesquisadora.


O estudo concluiu, após analisar dados de estações meteorológicas dos últimos anos, que a média da temperatura mínima e máxima, aumentou pelo menos em 1⁰C, nessa região do estado. “Em termos de biologia, para insetos e plantas, isso é muita coisa e traz mudanças significativas. Quanto mais quente, mais os insetos se adaptam. A praga que gostava de climas mais quentes, migrou para o sul e vem trazendo prejuízo aos agricultores”, destaca.


Em Sangão, no sul do estado, a agricultora Nilziane Rodrigues da Silva, conta que vem sofrendo há sete anos com a proliferação desse inseto na sua plantação. “Há cinco anos, perdemos toda nossa lavoura. É muito impactante, porque ela ataca o broto da mandioca, suga todas as vitaminas e não deixa o pé crescer. Tivemos um grande prejuízo. Aqui não tem um agricultor que não esteja sofrendo os prejuízos dessa praga”, relata a agricultora de 36 anos, mãe de três filhos.


Imagem à esquerda agricultora Nilziane Rodrigues da Silva na prática pós colheita da mandioca. Na imagem da direita a agricultora e família organizando sua produção - Fotos: arquivo pessoal


Os impactos também já são vistos em algumas plantações espalhadas por diferentes regiões do estado. Um projeto realizado pela Epagri, diagnosticou possíveis cenários agrícolas em função das mudanças climáticas sobre algumas culturas, entre eles, milho, feijão, trigo, soja, banana, maçã e uvas de altitude.


O resultado mostrou uma tendência de alterações maiores para culturas que dependem mais do frio intenso, como a maçã e a uva de altitude. Com a média das temperaturas mínimas mais altas, como previsões apontam, essas variedades terão redução de áreas cultiváveis. "Mas ao mesmo tempo outras variedades podem ser introduzidas, devido essa adaptação", acrescenta a Climatologista, Cristina Pandolfo.

Quanto às culturas que são plantadas em todo o estado, como milho e feijão, já está havendo mudança na janela de plantio, com antecipação do cultivo e da colheita, por exemplo.

"Esses estudos são importantes para o planejamento dos agricultores e adaptação das propriedades rurais quanto às possíveis mudanças que virão", destaca Pandolfo.

Nem sempre, os proprietários rurais estão abertos às mudanças previstas, "às vezes não querem abrir mão do lucro e da praticidade do que vem realizando há muitos anos e gerações. Esse trabalho de diálogo, capacitação e mobilização deve ser feito com cuidado", salienta a pesquisadora da Epagri.


Da estiagem a chuvas torrenciais em Santa Catarina


Em 2021, a estiagem vem castigando Santa Catarina, com mais de 30% dos municípios em alerta, principalmente no oeste. De acordo com a Defesa Civil, em função da estiagem, 34% dos municípios estão em estado de atenção, 3% em alerta e 5% em estado crítico em relação ao abastecimento urbano. “Estamos verificando o comprometimento do abastecimento em diversos municípios, assim devemos manter as medidas de economia de água”, comentou o chefe da DCSC, Alexandre Waltrick. Mais de quinze municípios decretaram situação de emergência em função da estiagem este ano.


De acordo com os monitoramentos realizados por pesquisadores da Epagri, baseados em modelagem meteorológica com zoneamento agrícola, os impactos previstos em relação às alterações climáticas são maiores para a região oeste do estado. Fato já registrado atualmente no que se refere à estiagem.

“É preocupante, temos notado nos últimos anos que a terra está ficando mais seca para plantio, não chove o suficiente para deixar a terra molhada e propícia para o cultivo”, desabafa a agricultora de Sangão.


Santa Catarina apresenta uma característica especial por possuir diferentes “micro climas”, dentro do próprio estado, proporcionando uma grande diversidade e variação biológica. “O clima sofre grande interferência do relevo, por isso temos essa variação climática específica”, explica Pandolfo.

De acordo com o Atlas Brasileiro de Desastres Naturais – de 1991 a 2012 (período do estudo)- entre os fenômenos de desastres naturais mais recorrentes no Brasil, estão as estiagens e as secas, com mais de 20 mil registros. Somado a isso também estão a enxurradas, inundações, vendavais e precipitações de granizo.


Enchente em Criciúma (2010) - Foto: Marcio Sônego - Epagri SC


Na região de Tubarão, no sul do estado, segundo Sônego, de 1940 a 2018, houve um aumento na precipitação total anual, assim como a frequência de estiagem mensal também.


A Revista Agropecuária Catarinense, já trazia algumas previsões em 2006, entre elas, o aumento na intensidade e frequência de eventos extremos, como ondas de calor mais intensas no inverno (alteradas por eventos extremos de frio) e períodos de estiagem mais prolongados.



Imagem de satélite do Furacão Catarina (2004) - MODIS Rapid Response Project at NASA/GSFC


“No outro extremo da estiagem, modelos climáticos já indicavam que as chuvas torrenciais (em grande quantidade com curta duração) seriam cada vez mais frequentes e intensas. Isso provocaria um aumento de inundações e escoamento, reduzindo as possibilidades de infiltração da água no solo”, revelava o artigo da revista Agropecuária Catarinense.


Foi o que aconteceu com Laguna, no dia 9 de junho, quando chuvas intensas castigaram a cidade em poucas horas, causando alagamentos e deslizamentos de terra. Dados coletados pelas estações pluviométricas mantidas pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden​) em Ribeirão Pequeno (Laguna) e Ponta de Laranjeiras (Pescaria Brava) mostraram que choveu cerca de 160 milímetros em apenas oito horas. A cidade teve que decretar situação de emergência. A quantidade de chuva em tão pouco tempo foi inédita. “Um fato curioso é que a média histórica é de 80 milímetros para o mês todo”, comenta o Agrometeorologista.


À esquerda escola inundada pelas chuvas, à direita deslizamento de terra ao lado de residências, as duas imagens em Laguna (2021) - Fotos: MUC Brasil


Santa Catarina já enfrentou mais de 5 mil desastres naturais, entre 1991 e 2012, segundo o Atlas Brasileiro de Desastres Naturais, sendo considerado um dos mais impactados por eventos extremos no país.


Por esses e outros motivos, a necessidade de discussão e elaboração de planos municipais e estaduais de mitigação e adaptação às mudanças climáticas se torna cada vez mais prioritária em Santa Catarina e seus 295 municípios.


As soluções para redução da emissão de gases do efeito estufa e estratégias de mitigação e adaptação às Mudanças Climáticas, segundo a cientista e também integrante do IPCC, Mercedes Bustamante, dependem de ações coletivas através de políticas públicas dos governos federais, estaduais e municipais, empresas privadas e da população como fiscalizadora do poder público, além da mudança em hábitos de consumo.


Santa Catarina, por exemplo, não possui Plano Estadual de Mitigação e Adaptação de Mudanças Climáticas. Em 2009, instituiu a Política Estadual sobre Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Sustentável. Dos instrumentos e programas, incluídos na Lei (n⁰ 14.829), não há nenhuma citação ou participação de setores da saúde. Como se o tema não tivesse qualquer relação.


Além disso, nenhum dos municípios catarinenses possui seus planos municipais, segundo consulta realizada junto à Gerência de Mudanças Climáticas, da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico e Sustentável – SDS.


O alerta e as previsões estão por toda parte. Comprovação científica não falta. Será que falta vontade política?


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Jornalista responsável: Gisele Elis (MTB 6822) Diagramação: Cristiane Bossoni

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