Rancho de Pesca da Praia Vermelha, do amor à luta
Atualizado: 28 de jun.

Vivi pela primeira vez a experiência de conhecer de perto a rotina e funcionamento de um rancho de pesca. Passamos uma tarde no Rancho de Pesca da Praia Vermelha, em Imbituba, um dos poucos que também possui uma mulher no grupo, a Liza. O litoral sul de Santa Catarina possui uma grande quantidade de pescadores artesanais, caracterizados como a maior representação de comunidades tradicionais da região.
Muitas vezes, não temos a mínima ideia e empatia com a vivência desses mestres e mestras da pesca artesanal. Levam uma vida de luta e resistência nos tempos atuais, com tantos fatores externos competindo com seus modos tradicionais de trabalho.
Nosso objetivo era conhecer o rancho e produzir fotos, vídeos e conversar com a única pescadora mulher do grupo, para os conteúdos que estamos fazendo em homenagem ao Dia do Pescador, comemorado dia 29 de junho. Mas nossa experiência foi muito além disso.
Há mais de 50 anos o rancho resistindo, possui muita história. “Seu Domingos” o mestre do rancho reserva uma sabedoria sem igual. Pai do Lédio e da Liza, a pescadora que nos levou até lá.
O Lédio é uma liderança na pesca da região também. É o representante dos pescadores da região de Ibiraquera no Conselho Consultivo da APA da Baleia Franca (CONAPA). Homem de garra, que luta pela manutenção dos direitos dos pescadores artesanais.
O espaço é pioneiro na proposta de criação de ranchos humanizados que oferecem melhor estrutura física e banheiros adequados. Ideia que envolveu parceria da Epagri e Gestão da APA da Baleia Franca, através da sugestão da liderança comunitária da comunidade pesqueira, Maria Aparecida - a “Cidinha”, durante uma reunião do CONAPA.
“O Rancho da Vermelha é emblemático, merecedor, pelos conflitos já vividos e pela representação do Lédio na defesa dos direitos dos pescadores no conselho desde a sua fundação. É uma questão de justiça ambiental, que esse modelo de rancho fosse na Praia Vermelha. Nosso objetivo, e se os pescadores quiserem, é expandir para outros lugares”, disse Cidinha.

A rotina no rancho:
O funcionamento do rancho envolve uma rotina árdua, que começa já às 4h da madrugada, faça sol ou chuva, de domingo a domingo. Não tem feriado nem final de semana.
As funções são divididas. A Liza, única mulher do grupo, cuida da alimentação, limpeza, cuidados de saúde, mas também precisa ajudar a puxar o barco, a rede, e muitas outras funções acumuladas de acordo com as necessidades do dia.
Os vigias ficam por 12 horas direto em pontos fixos nos dois lados extremos do alto dos morros, atentos e vigilantes aos cardumes de peixe. As marmitas são levadas até eles em dois horários. Tudo é avisado via rádio para o grupo que está no rancho. A embarcação sai para alto mar conforme as condições da maré e do vento.
As camas são dispostas em beliches, onde cada um tem o seu. Muitos só vão para casa uma vez na semana para ver a família. A vida toda se passa ali, em frente ao mar.
A luta diária, além das circunstâncias do trabalho e dos impactos já vividos das mudanças climáticas, envolve também uma reivindicação constante. Por maior fiscalização e proteção dos direitos dos pescadores artesanais.
“Nós estamos cansados da falta de fiscalização e do descaso dos órgãos públicos com a gente. É frequente a invasão dos nossos espaços de pesca e toda vez que ligamos para a polícia ambiental não somos atendidos. É muito difícil”, desabafou Lédio Silveira
Mesmo com todas as dificuldades, eu vi nos olhos deles o amor pela pesca. Ser pescador, aos meus olhos, é uma natureza existencial dessas pessoas. É o ar que respiram.
Entre mariscos, café e bolo de fubá, sai de lá preenchida pela ternura e respeito deles comigo, pela prestatividade. Mas principalmente pela resistência deles numa atividade tradicional tão desvalorizada e desrespeitada. Órfãos de políticas públicas, de cuidado e atenção do governo.
Eu vi que essa tradição e modo de pesca corre grande risco de extinção, pela falta de continuidade das novas gerações nesta atividade. Muitos filhos e netos desses pescadores não querem passar pelas dificuldades e estão seguindo outras profissões.
Quem resiste está cansado. Mas mesmo na desesperança, eu vi nos olhos deles, que o amor ainda bate mais forte.

Respostas aos pescadores:
Questionamos a Polícia Ambiental, por email e por telefone, para nos responder sobre como funcionam suas estruturas de fiscalização, mas não obtivemos resposta a tempo.
A gestão da APA da Baleia Franca nos informou o seguinte:
Historicamente, a fiscalização da APA da Baleia Franca concentra-se em porção terrestre, onde há uma imensa e crescente demanda, embora a maior parte do território da Unidade seja marinha. A APABF possui um bote inflável de fundo rígido adquirido há poucos anos, voltado para atividade de fiscalização no mar. A embarcação está em uma marina no norte da Ilha de Florianópolis, e sendo usada por outras unidades marinhas do ICMBio naquela região. A única marina na região está localizada em Laguna, a APABF está em processo de aquisição de uma carreta rodoviária para transporte da embarcação e depende da contratação de piloto de embarcação e do contrato com a marina. Além disso o efetivo de servidores na APA vem diminuindo desde 2018, e hoje conta com apenas três analistas ambientais em atividade na Unidade, incluída esta chefe, tendo que dar conta de centenas de processos, demandas do MPF, atendimento de denúncias, que abrangem nove municípios ao longo de 130 km de costa, numa área de 156 mil hectares.
Desta forma, a Unidade ainda não conseguiu estabelecer uma logística, tampouco uma rotina de fiscalizações no mar. Isso vai depender dos fatores acima citados, como aporte de servidores, analistas ambientais com experiência no mar, capacitação dos fiscais hoje lotados na Unidade para operações no mar, contratação de piloto de embarcação e compra de carreta rodoviária para transporte da embarcação.
A APABF tem monitorado o Programa de Rastreamento de Embarcações por Satélite - PREPS a fim de verificar a regularidade ou não da pesca industrial na APABF, em especial a pesca de arrasto. Quando constatado indício de irregularidade, após confirmação da infração pela Divisão de Informações Geoespaciais e Monitoramento do ICMBio, são providenciadas as devidas sanções administrativas pelos fiscais da APABF. No ano de 2022, a APA emitiu oito autuações por pesca industrial de arrasto a distância da costa inferior à permitida, este ano ainda não foram detectadas irregularidades.
Além disso, a equipe da APA da Baleia Franca sempre compareceu a todas as reuniões e outras atividades solicitadas pelos pescadores artesanais das diferentes comunidades pesqueiras em seu território, estando a classe representada no Conselho Consultivo, que é a instância de participação social na gestão da unidade de conservação, através da ASPECI.
Jornalista responsável e diagramação:
Gisele Elis (MTB 6822)